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Índios não deixam bispo crismar…

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Índios não deixam bispo crismar…

Por Dom Redovino Rizzardo

Iniciei este artigo às 17 horas do sábado, dia 12 de maio de 2012. Naquele momento, ao invés de em minha residência, eu deveria estar em Itaporã, preparando-me para administrar a crisma a um grupo de jovens, que há anos se preparavam para receber esse sacramento. Para eles, a presença do bispo tem um significado particular: por mais humilde ou indigno que se sinta, ele encarna o carinho e a gratidão da Igreja para quantos se esmeram em colocar suas vidas a serviço de um mundo mais irmão.

Nem cheguei a partir. Recebi um telefonema que me fez suspender a viagem: o caminho que leva a Itaporã continuava fechado pelos índios. O bloqueio já durava uma semana. Os transtornos estavam na ordem do dia para todos, sobretudo para estudantes, operários, motoristas, doentes… e o próprio bispo! No domingo de manhã, por outro trajeto – que me fez percorrer 140 km (ao invés de 34, se tivesse passado pela Reserva Indígena) – conferi a crisma a outro grupo de jovens, para alegria da população católica.

O governador André Puccinelli se mostrava irredutível: «O direito de ir e vir é um direito constitucional. A sua infração é algo que não será permitido, seja ela feita por brancos, negros, movimentos sociais ou indígenas». De sua parte, os índios alegavam que o governo estadual não cumprira um acordo firmado há dois anos, por ocasião da duplicação da rodovia que passa pela Reserva. O acerto previa a manutenção das estradas vicinais que a cortam, ao menos duas vezes ao ano. Ao invés, até aquele momento, as máquinas nunca haviam aparecido e as estradas estavam intransitáveis.

Em suma, um novo capítulo da longa via-sacra que mantém em margens opostas índios e produtores rurais, fortalecendo os preconceitos e as tensões que os dividem. Foi o que demonstraram dezenas de comentários aparecidos na internet durante o bloqueio. Um deles expressava a opinião comum entre os não-índios: «Pessoas como eu, que pagamos os impostos, dependem desta rodovia para ir e vir. Por que não se protesta para reeducar esses indígenas? Por que não se protesta para tirar seus filhos das drogas e das bebidas? Por que não se protesta contra uma multidão de adolescestes grávidas, abusadas sexualmente nas aldeias?». Outro procurava ser objetivo: «Interessante como ninguém para pra criticar a inépcia e a prevaricação dos governos em relação às suas obrigações! A rodovia corta ilegalmente a Reserva Indígena. Se os índios quisessem, poderiam plantar mandioca no asfalto! No entanto, reivindicam de forma pacífica seus direitos (direitos, não favores!)».

Na segunda-feira, dia 14, a razão prevaleceu e, após o compromisso assumido pelos prefeitos de Itaporã e de Dourados de iniciar, ainda naquela semana, a recuperação das estradas, o bloqueio foi suspenso.

Como é de minha obrigação, sigo com atenção os seminários, congressos e simpósios convocados para pôr fim a um conflito que já se prolonga em demasia. No dia 10 de maio, também a Câmara dos Deputados promoveu uma audiência sobre o assunto. Nela, foi apresentada pela FUNAI uma proposta que há anos é vista por índios e não-índios do Mato Grosso do Sul como a única viável, e que eu mesmo expus, no final de abril, na assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Aparecida: «Uma indenização justa aos produtores rurais é o único caminho para acabar com as ações judiciais e com a violência gerada por disputas de terra».

Se a paz é fruto da justiça e se a violência gera violência, as retomadas ou invasões – como quer que se queira denominá-las – devem ceder o lugar ao diálogo e à negociação. Foi o que procurei expressar em todos os meus pronunciamentos sobre o assunto. A única vez que não consegui conter a indignação foi no dia 18 de novembro de 2011, por ocasião do assassinato de Nísio Gomes. Causaram-me estranheza, por isso, as críticas dirigidas à Igreja Católica por Valfrido Chaves, num jornal de Dourados, no dia 27 de maio: «O que se passa, é uma prática planejada, com objetivo de conflitar comunidades, isolar nossos indígenas, criar grandes “áreas contínuas” nas fronteiras, criminalizar a história das fronteiras do nosso Mato Grosso do Sul e impactar o estatuto da propriedade privada. Esse projeto antinação é urdido em sacristias invadidas por uma ideologia imoral, mestra em denegrir, conflitar, mas fracassada em construir».

Não, esta não é a Igreja que eu conheço, amo e sirvo!

Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo da Diocese de Dourados

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