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Um dia de crise na vida de um bispo

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Um dia de crise na vida de um bispo

Pode ser que alguns leitores da revista ELO, ao terminar a leitura de “A Palavra do Pastor” do mês de agosto, tenham ficado com a impressão de que o bispo de Dourados flutue num mar de rosas. De fato, depois de enumerar alguns eventos ocorridos ao longo do meu serviço episcopal, finalizo afirmando: «Posso garantir que, para mim, o episcopado se converteu numa graça extraordinária, que me ajuda a viver numa atitude de gratidão e de alegria».

A sabedoria popular cunhou um provérbio muito conhecido e bastante pessimista: «Não há rosas sem espinhos», provérbio que os santos preferem transformar em «Não há espinhos sem rosas». Como todos sabem, eu não sou santo… Mas, para não cansar o leitor com o elenco das crises que, como todo mundo, preciso enfrentar, vou me deter em apenas três delas, que me “visitaram” no dia 22 de junho.

Ao meio-dia, durante um almoço com um grupo de padres, em dado momento, um deles me perguntou à queima-roupa: «O sr. acha que o Papa Francisco já chegou a Dourados?»… Jamais teria imaginado ouvir uma pergunta tão estranha. Só entendi o seu significado quando os presentes aprofundaram a questão. Francisco é o papa da simplicidade e da humildade, que não gosta do aparato e da complexidade na liturgia. E, na opinião desses padres, o que se vê em Dourados, em certas ocasiões, é uma celebração pomposa e sofisticada, mais propensa a favorecer a vaidade de quem preside e a emoção de quem assiste do que aprofundar a fé e a piedade do povo.

O certo, porém, é que, para o Papa Francisco, «a Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é fonte de um renovado impulso de doação». A liturgia bem preparada e melhor ainda vivenciada é o primeiro passo para se chegar à “Igreja em saída”, sustentada por “pastores com cheiro das ovelhas”, que “caminham à frente, no meio e atrás do rebanho que lhes é confiado”: três exigências fundamentais, solicitadas dezenas de vezes pelo Papa, para que se possa responder afirmativamente à pergunta do padre. Um exemplo apontado pelo Pontífice deste respeito e carinho pelo povo é Oscar Romero, o profeta e mártir beatificado no dia 23 de maio. A quem lhe perguntava se não exagerava em sua “obsessão” de, antes de agir, pedir conselhos não somente aos padres e às religiosas, mas até mesmo a humildes “campesinos”, ele respondia: «Esta é a acusação mais bela que me fazem, e o pior é que não pretendo me corrigir!».

Voltando às crises que me afetaram no dia 22 de junho, a segunda veio à noite, quando assisti, pela TV, à sessão em que a Câmara Municipal de Dourados aprovou o Plano Municipal de Educação. Dada a importância do assunto para o futuro da juventude e das famílias, eu imaginava que o auditório ficasse lotado de católicos, sobretudo aqueles ligados aos Movimentos Eclesiais. Mas a realidade não correspondeu à expectativa. Os que se fizeram presentes – dentre eles, alguns padres e religiosos – precisaram enfrentar o tumulto e a concorrência de um aguerrido grupo de universitários e professores, que buscavam seus direitos numa forma nem sempre harmoniosa…

Foi então que passei pela terceira crise: percebi que, em Dourados, a Igreja Católica está distante do mundo universitário. Sem querer, lembrei-me do que disse o Papa Francisco, no dia 12 de junho, dirigindo-se a mais de mil sacerdotes que participavam de um retiro mundial, em Roma. Parafraseando a parábola da ovelha perdida, ele comentou que, não poucas vezes, nós – bispos, padres, diáconos e religiosos – somos tentados a “escovar” a ovelha que nos agrada ou lisonjeia do que buscar as 99 que se afastaram… A grande maioria dos universitários nasce em famílias cristãs, mas um número cada vez maior deles acaba se tornando agnóstico ou ateu. E são eles que, amanhã, dirigirão a sociedade, como professores, advogados, juízes, políticos e pais de família…

«Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé!» (1Jo 5,4). Mas, se não for alimentada pela oração e pelas obras, ela definha e morre. Não será este o motivo por que muitos católicos, que se sentem “inflamados” e “convertidos” no final de um encontro de espiritualidade ou de formação, em pouco tempo perdem o ânimo e voltam à mediocridade de antes? Aquilo de que não se faz uso, se atrofia! Se, no Oriente, os cristãos enfrentam a morte para não renegar a fé, no Ocidente os cristãos precisam ter a mesma coragem. Talvez aqui não haja extremistas muçulmanos que os matem… Mas o ambiente que os cerca – e o Estado que se ufana em se definir laico – os obrigam a lembrar que, se não agirmos nós, agirão outras pessoas, sem nós e contra nós.

Dom Redovino Rizzardo

Artigo publicado originalmente na revista ‘O Elo’ de setembro/2015.

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