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De volta a Idade das Trevas

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De volta a Idade das Trevas

O ataque aos jornalistas franceses do Charlie Hebdo gerou ondas de análises e manifestações por todo o mundo, inclusive meus amigos nas redes sociais. Penso que a grande maioria fez apreciações parciais, por isso, embora não tenha a pretensão de esgotar o diagnóstico, desejo fazê-lo em quatro perspectivas, pois se de um lado já se critica as vítimas, por outro, critica-se muito os muçulmanos. Parece-me que a situação requer também não ser fundamentalista no exame, o que acontece quando carregamos excessivamente numa visão parcial.

Primeiro aspecto, salientado como liberdade de expressão, ressalta que os jornalistas têm o direito de dizer o que quiserem; verdade, mas isso, não significa que as pessoas e suas crenças sejam escrachadas, desmoralizadas. Este mesmo órgão de imprensa satirizava frequentemente Jesus Cristo, o Papa e Maomé, entre outros. Não me parece que em nome da liberdade de expressão entremos num “vale tudo”, como justificativa. Contudo, nada explica a morte de alguém como motivo de calar as críticas.

Segundo, é preciso analisar friamente a reação de alguns governos que se manifestaram com indignação, como os da Arábia Saudita, Iraque, Turquia, etc. Pois bem, esta mesma indignação devia se refletir no cotidiano das leis destes mesmos países. Neles um muçulmano não pode se converter ao cristianismo, sob pena de ser preso e/ou morto, nem usar a Bíblia, na Turquia, considerado país laico, só agora, depois muitas décadas foi permitido construir uma Igreja Cristã, e a nova edição do Jornal Charlie Hebdo, de terça-feira, foi proibida. Não é terrorismo fundamentalista não permitir que um cidadão tenha o direito de escolher sua fé? Tais repúdios parecem muito mais uma farsa que um desejo de solidarizar-se com os parentes das vítimas e com todo povo francês.

Terceiro, parte do problema de autoridade, veja, de autoridade e não de autoritarismo. A sociedade pós-moderna proclamou a predominância dos direitos, esqueceu-se porém, dos deveres. A crise de valores pela qual passa o Ocidente faz-nos reportar ao que o Papa emérito Bento XVI chamava de ditadura do relativismo, quando o critério da verdade tem parâmetro no “eu” de cada indivíduo. Os jovens ocidentais de todas as classes, se encantam com a “disciplina” islâmica, como acontece também com os que se alistam no Primeiro Comando da Capital (PCC) e no Comando Vermelho, são grupos extremamente exigentes, têm uma “disciplina” ferrenha. A falta de sentido provocado pelo relativismo, que é um fundamentalismo dos mais perniciosos, leva a outro tanto quanto perigoso, neste caso, o religioso. É aquilo que Aristóteles chamava de falta de virtude: a falta da virtude é estar nos extremos.

O quarto aspecto passa pelas condições sociais e culturais destes grupos, o que falta a muitos desses jovens oportunidades para seguirem outros caminhos. São comuns os relatos de discriminação sofrida em países europeus pelo fato de professarem a fé islâmica. No tocante à cultura, parece ausente para os muçulmanos um realismo para as questões científicas e suas descobertas, que ao longo dos séculos retiraram o “homem” da escuridão dos mitos, embora exista também aqueles que usam a ciência para contrariar a fé.

Tais manifestações dão lugar para julgar que muitos ainda vivem na Idade Média, chamada de Idade das Trevas, naquela caricatura criada pela narrativa anticatólica. Mesmo naquela época, o Ocidente não viveu mergulhado no mesmo tipo de atraso e autoritarismo que muitos países islâmicos vivem hoje, em pleno século XXI, basta olhar como vivem as mulheres.
O fundamentalista não aceita o contraditório, pois se sente no direito de simplesmente eliminar aquele que ousa “ofender” sua fé religiosa, fato impossível de se implantar no século XXI e no mundo democrático, a não ser pela força do terrorismo.

Em alguns países muçulmanos o direito é usado para perseguir os cristãos, no Ocidente o direito exige que sejamos complacentes com suas exigências de fé. Esta perspectiva não poderá ficar de fora de posteriores discussões sobre a islamofobia no Ocidente e a cristofobia nos países islâmicos. Se o diálogo não partir do direito e do dever de ambas as partes, jamais se oferecerá discussão plausível para o problema.

Onde estão as notícias massivas sobre os 70 mil cristãos assassinados em 2013 por questões de crença, sobretudo no Oriente Médio? Onde estão as reportagens dos cristãos expulsos dos países islâmicos pela Primavera Árabe e pelo Estado Islâmico?
Como cristãos não podemos nunca renunciar ao diálogo e cair na tentação do fundamentalismo, mas o diálogo se faz com a verdade. Não podemos renunciar ao “fundamentalismo” da democracia, pois é a democracia que permite que no Ocidente todos vivam sua fé, inclusive os muçulmanos.

Diz-se que é proibido aos muçulmanos expor Maomé, também é proibir para os cristãos expor Jesus Cristo, nem por isso, um cristão deve matar alguém por tal blasfêmia. Os comunicadores também precisam perceber que se mata espiritual e psicologicamente quando se esculacha a fé de pessoas que creem e por esta crença pautam suas vidas. Esculachar é diferente de criticar. A crítica é um direito das sociedades democráticas e civilizadas!

Pe. Crispim Guimarães

Pároco da Catedral de Dourados

Padre Crispim Guimarães

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