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Um inferno diferente?

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Um inferno diferente?

Por Dom Redovino Rizzardo

«Pouco se fala do inferno. Ainda bem, pois muitos estragos já se fizeram. Desde cedo, apelou-se ao medo, quase sempre com boa intenção; mas a própria sabedoria popular sabe, há muito tempo, que ele é mau conselheiro e que a pastoral do medo conduz necessariamente ao fracasso. De qualquer modo, no entanto, calar sem mais nem menos não é sadio. O nome continua aí; e onde está o nome, rápido pode-se evocar o fantasma e, com o fantasma, a confusão e o terror».

É com essas palavras que o teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga apresenta o seu livro: “O que queremos dizer quando dizemos inferno”, publicado no Brasil, em 1997.

Antes de tudo – afirma Queiruga –, é preciso esclarecer o caráter metafórico da linguagem bíblica sobre as realidades do “além” e, mais concretamente, sobre o inferno. Algo elementar que, felizmente, adquiriu evidência pública, mas sobre o qual convém insistir, pois são muitos os que recordam com horror as descrições literais dos tormentos dos condenados, imersos em caldeirões, com fogo, enxofre e diabos por todos os lados.
Em seguida, ele faz uma pergunta: é possível conciliar o inferno com a imagem de Deus revelada por Jesus? Um Pai que cria por amor e só pensa em nossa salvação; que perdoa a todos de maneira incondicional e está interessado unicamente na vida do pecador; que não quer o mal – nem sequer o permite –, mas que, colocando-se do nosso lado, luta incansavelmente contra ele; e que, como o pai da parábola do “filho pródigo” (Lc 15,11-32), não pensa em castigo, mas todo dia perscruta o caminho com o coração triste e cheio de esperança?!

Uma coisa é certa: não se pode falar do inferno como castigo de Deus e, menos ainda, como vingança. Caso contrário, Deus não passaria de um ser mesquinho, que pune a quem não lhe presta a devida honra; um juiz implacável, que persegue o culpado por toda a eternidade; um tirano injusto, que cria sem permissão, que não oferece alternativa senão servi-lo ou expor-se à sua ira, e que castiga falhas de criaturas fracas e limitadas com penas infinitas e eternas – numa palavra, um autêntico déspota, à imagem e semelhança do que de pior existe no ser humano…

O que é, então, o inferno para o Pe. Andrés? Uma frustração, ainda que limitada e parcial, do projeto de um Pai que «quer que todos os homens se salvem» (1Tm 2,4). Uma “dor” para Deus, por uma “perda” que acompanhará definitivamente as suas criaturas. Algo que ele “não pode” evitar, não por incapacidade própria, mas pelas limitações do ser humano, sobretudo em relação à liberdade. Uma liberdade que Deus quer e apoia como o bem mais precioso que doou a seus filhos, mas que, sendo finita, está exposta a falhas e ao fracasso moral.

Conjugando essas duas verdades – um Deus que tudo faz para salvar e uma liberdade que é inclinada ao mal –, e reinterpretando a doutrina da “restauração de todas as coisas em Cristo” assim como foi vista por Orígenes, Queiruga julga que Deus salva tudo quanto pode, tudo quanto a liberdade humana permite, até o menor resquício de bondade que existe na pessoa humana. Na ressurreição final, quando «Deus será tudo em todos» (1Cor 15,28), cada um de seus filhos participará da felicidade eterna, mas em grau diferente, de acordo com a sua capacidade, «assim como as estrelas se distinguem no brilho uma da outra» (1Cor 15,41).

Desta forma – explica o Pe. Andrés – «salvar-se-á o bem que está em cada um e se perderá, aniquilando-se, o mal». Talvez prevendo a reação de quem visse em sua argumentação a eliminação pura e simples do inferno – e, por isso, uma heresia –, ele lembra que a Igreja sempre contou com santos e teólogos que não pensaram diferente. Entre eles, Santo Ambrósio, para quem «a mesma pessoa em parte se salva e em parte se condena», e Hans Urs von Balthasar, que afirmava: «Cada pecador escutará ambas as palavras: “Afaste-se de mim para o fogo eterno!” e “Venha, bendito de meu Pai!”».
Em seu último livro “Repensar o Mal”, publicado em 2010, talvez para evitar mal-entendidos, Queiruga julgou necessário voltar ao assunto: «Esta interpretação do inferno constitui uma hipótese, que não pode pretender ser convincente para todos; contudo, ela se move dentro dos parâmetros de um legítimo pluralismo teológico».

Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo da Diocese de Dourados

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