Acidigital
A decisão de um bispo francês de remover a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro (FSSP) das comunas francesas de Valence e Montélimar no fim do verão francês reacendeu as tensões sobre o papel da missa tradicional em latim na França.
A diocese justificou sua decisão alegando o recorrente desrespeito da comunidade às orientações diocesanas — especialmente em relação à concelebração, que não existe na liturgia tradicional — e disse que a medida tinha como objetivo promover a unidade paroquial.
O impacto da medida sobre uma comunidade tradicionalista florescente na região sudeste de Drôme, no entanto, gerou forte reação e parece refletir um padrão mais amplo de conflito em toda a França desde a publicação de Traditionis custodes em julho de 2021, motu proprio do papa Francisco que restringe a missa rezada segundo a liturgia anterior à reforma do Concílio Vaticano II.
A FSSP, sociedade clerical de vida apostólica dedicada à liturgia tradicional, atua em Valence e Montélimar há cerca de duas décadas. Seus sacerdotes — em particular o padre Bruno Stemler, designado para Valence desde 2017 — têm atraído um número crescente de fiéis, muitos deles famílias jovens.
Uma paróquia dentro da paróquia
Em comunicado datado de 15 de maio, o bispo de Valence, François Durand, anunciou que, a partir de 1º de setembro, a celebração da missa tradicional em latim em Valence seria confiada ao clero diocesano. Ele disse que um padre da FSSP poderá continuar celebrando o rito mais antigo uma vez por semana em Montélimar, aguardando novas discussões. A catequese e atividades como o coral gregoriano também poderão continuar, mas sob supervisão paroquial.
Um ponto-chave de discórdia tem sido a recusa da FSSP em concelebrar missas — entre elas a missa do crisma — conforme permitido por suas constituições, reafirmadas pelo papa Francisco em 2022 e 2024. Para os líderes diocesanos, essa recusa em concelebrar — prática na qual vários padres celebram a missa em conjunto num único altar — sinaliza uma falta de comunhão eclesial.
Em carta de acompanhamento aos seus paroquianos, o bispo Durand enfatizou que a medida não era uma sanção pessoal contra o padre Stemler, mas disse que o padre estava conduzindo iniciativas pastorais “sem levar em conta as orientações diocesanas”.
O vigário-geral de Valence, padre Éric Lorinet, criticou ainda mais a abordagem da FSSP falando à revista francesa Famille Chrétienne, dizendo que ela funcionava “como uma paróquia dentro da paróquia”, causando atrito com o clero local e prejudicando a unidade presbiteral.
O anúncio, no entanto, foi um choque para os paroquianos. Cerca de 400 membros assinaram uma carta aberta descrita como um “grito do coração” instando o bispo a reconsiderar. Um pequeno grupo iniciou uma rigorosa vigília de jejum e oração perto da igreja de Notre-Dame em Valence.
Da perspectiva dos fiéis, a decisão ameaça uma comunidade vibrante e crescente, que agora tem cerca de 200 participantes regulares só em Valence, além de 13 grupos de catequese.
A disputa em Valence é o mais recente de uma série de conflitos em torno da liturgia tradicional na França — país que, junto com os EUA, abriga um dos movimentos tradicionalistas mais dinâmicos do mundo. Essas comunidades, conhecidas por seu zelo missionário e população jovem, são frequentemente vistas com cautela por bispos.
Em junho de 2021, pouco antes da publicação de Traditionis custodes, a arquidiocese de Dijon, no leste da França, expulsou a FSSP da basílica de Fontaine-lès-Dijon depois de 23 anos de presença, alegando problemas logísticos. Um mês depois, a comunidade perdeu a licitação para adquirir a abadia medieval de Pontigny, apesar de ter oferecido um preço mais alto do que o comprador, uma fundação secular que planejava converter o local num resort de luxo, supostamente devido, em parte, à falta de apoio diocesano.
Enquanto isso, em Isère, na região dos Alpes, os paroquianos iniciaram uma greve de doações depois que o bispo de Toulouse, Guy de Kerimel, acusou os participantes da missa tradicional de solapar a validade da missa novus ordo, a liturgia aprovada por são Paulo VI em 1970 de acordo com os princípios do Concílio Vaticano II. Em Paris, o arcebispo Michel Aupetit também reduziu o número de igrejas autorizadas a celebrar a missa em latim de cerca de uma dúzia para cinco, gerando descontentamento.
Os paroquianos de Bastia, na Córsega, protestaram contra a transferência de seu padre, Sébastien Dufour, de uma paróquia central para uma capela mais remota, medida que eles consideram marginalização da missa em latim.
O caso de maior visibilidade, no entanto, continua sendo a renúncia forçada, no início deste ano, do bispo de Fréjus-Toulon, Dominique Rey, conhecido por fazer de sua diocese um centro de renovação tradicionalista e carismática.
Uma possível saída para a crise
Esses desenvolvimentos cumulativos alimentaram temores entre muitos fiéis de que o afastamento gradual das comunidades tradicionais possa levar a um afastamento em direção à Fraternidade São Pio X, fundada pelo bispo francês Marcel Lefebvre (1905-1991), que permanece canonicamente separada de Roma.
Esse mal-estar provavelmente será um dos muitos temas delicados para o papa Leão XIV, que herdou o complexo legado da Traditionis custodes e sua contestada implementação. Em 7 de julho, ele estabeleceu um novo grupo de trabalho sinodal sobre a liturgia, conforme solicitado pelo Sínodo da Sinodalidade — ação vista como sinal de seu desejo de dedicar tempo e fazer amplas consultas antes de tomar novas decisões.
Observadores dizem que a próxima nomeação de um novo prefeito para o Dicastério para o Culto Divino, cujo prefeito, o cardeal Arthur Roche, está perto da idade de aposentadoria, será um sinal fundamental da direção litúrgica do papa Leão XIV.