Acidigital
A União dos Juristas Católicos de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Direito e Religião pediram ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, que anule o voto do ministro aposentado Luís Roberto Barroso a favor de descriminalizar o aborto no Brasil até quatro meses completos de gestação.
A petição protocolada na terça-feira (21) foi assinada pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins e pelo presidente IBDR, o advogado Thiago Rafael Vieira. Os juristas pedem que, caso o voto de Barroso não seja anulado, a corte decida se o artigo 2º do Código Civil que diz: ‘A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro’ “vale para todos os direitos ou para todos, menos para o direito à vida”.
Sabendo que ia se aposentar como membro do STF no dia 18 de outubro, Barroso pediu o cancelamento do seu pedido de destaque no julgamento da ADPF 442 e solicitou ao atual presidente do Supremo, ministro Edson Fachin “a convocação de sessão virtual extraordinária do Plenário para continuidade do julgamento” para emitir seu voto. Para Fachin, “a matéria em questão recomenda debate em sessão presencial, com sustentações orais no Plenário físico e a respectiva publicidade e transparência”, mas autorizou o voto de Barroso, porque não parecia “legítimo, monocraticamente” impedir “a faculdade” do seu voto.
Os juristas pontuaram na petição que “tal procedimento fere o devido processo legal, pois a imparcialidade, atributo maior da magistratura para que a justiça se faça, está vinculada à distribuição por sorteio, sem direcionamentos para magistrados que já tenham posicionamento público a respeito de teses colocadas em julgamento”.
A sessão virtual extraordinária do julgamento ADPF 442 começou às 20h, quatro horas antes da aposentadoria de Barroso, que acompanhou o voto da ex-relatora da ação, a ministra aposentada Rosa Weber. O julgamento então terminaria às 23h59 do dia 20 de outubro, mas foi novamente suspenso com o pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. Depois, Fachin retirou a ADPF 442 de pauta, acolhendo o pedido do atual relator do caso, ministro Flávio Dino, e com isso, determinou a finalização da sessão.
Para os juristas, a gravidade do caso “é maior”, visto que Barroso, “sempre defendeu publicamente o aborto até o terceiro mês e entregou seu voto horas antes de sua aposentadoria, com nítido intuito de impedir que um novo ministro, que deverá por longos anos exercer a magistratura na Corte, vote em questão desta magnitude”. Isso, segundo os juristas, “deve ser elemento suficiente” para que o voto de Barroso “não seja considerado” no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade, que pede a descriminalização do aborto até o quarto mês completo de gravidez.
“O voto foi elaborado em tema de relevância nacional, visto que dezenas de projetos de leis estão sendo analisados no Congresso Nacional sobre a matéria, por quem não mais estará na corte, impedindo claramente que quem venha a ser aprovado declare sua posição”, disseram os juristas.
O documento dos juristas também diz que está em jogo o “respeito ao direito à ampla defesa, pois dois ministros que não estão mais no Tribunal estarão formando eventual jurisprudência para todo o país, no lugar do Congresso Nacional, sem que outros dois ministros que atuarão por anos a fio, possam se manifestar”.
Ives Gandra relatou na petição que o STF “já enfrentou questão semelhante” em “que tanto os votos de ministros aposentados como dos novos foram considerados”, mas “o argumento que sensibilizou a todos é que para a realidade do país, por muitos anos, teria que prevalecer a orientação dada por 11 ministros e não apenas por 9 ministros que continuavam na Corte”.
“E foi, rigorosamente, o que ocorreu, com a inteligência de que uma lei nascida inconstitucional não se torna constitucional por emenda posterior, exigindo-se, em decorrência, nova lei”, disseram os juristas. “Este precedente em tema de tal relevância, como é a questão do aborto, deveria ser seguido no julgamento da ADPF 442 de tal modo que a jurisprudência seja firmada com o voto de 11 ministros” que compõem o STF e “não apenas 9 dos 11 em exercício”.
Eles ainda enfatizaram que “a Constituição não delegou poderes legislativos ao Judiciário, tendo sido esta a intenção do Constituinte”.
“Pode-se dizer que a lei é mais inteligente que o legislador, mas a Constituição não é mais inteligente que o Constituinte, à falta de uma vontade anterior, nem podendo a grande norma de Kelsen ser invocada, por ser apenas uma categoria acadêmica, mas não uma realidade jurídica”, frisaram os impetrantes.
‘Um gesto previsível em conteúdo, mas escandaloso na forma e no foro’
O jornal O Estado de S. Paulo disse hoje (23) em seu editorial de opinião, que o ministro aposentado Luís Roberto Barroso “despediu-se votando pela descriminalização do aborto” como “um gesto previsível em conteúdo, mas escandaloso na forma e no foro”.
“O problema não está na posição pessoal de Barroso, mas na presunção de que magistrados possam decidir o que o povo deve pensar, normatizando sobre um tema moral e político dessa magnitude”, destacou o Jornal
Segundo o editorial, Barroso “costuma afirmar que o ativismo judicial no Brasil é um ‘mito’. Mas, ao transformar sua convicção pessoal em decisão judicial, Barroso encerrou seu mandato como começou, comprovando que não apenas o ativismo, mas o oportunismo judicial estão mais vivos do que nunca”.
“O ativismo judicial, quando justificado como missão civilizatória, torna-se apenas uma forma sofisticada de despotismo ilustrado”, disse o editorial destacando que “Barroso sai do Supremo com o brilho de quem fala bonito e o rastro de um juiz que não se resignou a aplicar a lei tal qual ela é, mas a reinventá-la tal qual ele julga que deveria ser”.





