A ilusão do dinheiro e do poder
Adentramos no tempo da Quaresma, 40 dias, religiosamente o tempo necessário para tomar consciência da necessidade de conversão.
A Igreja Católica propõe que este período seja marcado pelas três armas da penitência cristã: Oração, Jejum e Esmola, que podem simbolicamente, serem comparadas a espada, o capacete e o escudo.
Não vou aprofundar os aspectos quaresmais do tema, dele me sirvo para meditar sobre a ilusão do dinheiro e do poder. Muitos pensam serem infalíveis e donos do mundo porque possuem bens, e por isso, julgam-se donos até mesmo de outros seres humanos. Não faz muito tempo que um programa televisivo bastante assistido, exibiu uma longa reportagem sobre Eike Batista, considerado na época o sétimo homem mais rico do planeta e em franca corrida para o primeiro lugar.
Não pretendo tecer juízo de valor sobre a pessoa de Batista, mesmo porque o Apóstolo Paulo diz que “Quem está de pé, cuidado para não cair” (1Cor 10, 12), não me julgo em pé e por isso capaz de julgar ninguém, mas a Palavra de Deus e os fatos sociais são reveladores, infelizmente pouco aprendemos com eles. Por isso, uso o caso de Eike Batista, público para todos, como exemplo.
Em pouco mais de um ano o mesmo homem, colocado como símbolo de competência, riqueza e poder, frequentador da alta sociedade mundial, bajulado por tantos, perdeu mais de 90% de sua fortuna, seus bens e de seus familiares passaram a ser apreendidos pela polícia, numa reviravolta que faz meditar sobre as ilusões do poder, das amizades compradas e interesseiras.
O dinheiro é ruim? Sem sombra de dúvidas sim, quando leva a pensar e agir como se ele em si mesmo fizesse as pessoas felizes, dando-lhes falsas seguranças, escravizando-as nas práticas ao seu em torno, provocando ganância. E não, quando é fruto do trabalho honesto, quando o trabalho que produz a riqueza não escraviza o seu “proprietário” e este por sua vez, não escraviza os seus trabalhadores, quando está para servir os seres humanos e não para se servir deles. O dinheiro é “bom”, se não tomar o lugar de Deus.
O empresário em pauta, com pouco mais de 20 anos já se destacava como um “produtor de fortunas”, de lá até hoje sua vida percorreu esse caminho, agora observa a ruína de tudo que construiu, e como ele quantos outros. É para este momento que poucos se preparam, e ele irá chegar para todos. As doenças, a velhice, são fatores que nos provam que o dinheiro e o poder adiantam pouco diante das intempéries da vida, eles podem ajudar a pagar médicos e outros benefícios, mas não aplacam o vazio de quem pautou sua vida por esses parâmetros. A paz interior, com os outros e, sobretudo a amizade com Deus, não se compra com dinheiro.
Infelizmente os modelos sociais não são aqueles que praticam a caridade, a oração e o sacrifício, mas modelos são aqueles que querem sempre mais poder no mundo, que dominam e enriquecem. Batista é um exemplo deste arquétipo, as consequências também devem servir de padrão. Outro caso pertinente e triste é de Michael Schumacher, o grande campeão de Fórmula 1, ainda jovem fez fortuna e fama, e se tornou ídolo de uma geração. Hoje sua fortuna de pouco tem adiantado para recuperar sua saúde, já foram gastos 44 milhões de dólares para preservar-lhe uma vida vegetativa.
Se Deus nos deu dons, usemo-los para praticar o bem, servindo, valorizando as pessoas como irmãs, pois são dignas do nosso respeito, busquemos aprender que o egoísmo, o poder, só escravizam, machuca e destroem. Contudo, o bem é fruto da nossa oração, daquela comunhão filial e amiga com o Criador, o que exige de cada pessoa o jejum da língua para respeitar o outro, o jejum da desonestidade para saber que os bens da humanidade não são somente meus, o jejum de possuir o outro como minha propriedade, ao invés de tratá-lo como irmão.
Oração, Jesus e Esmola, nunca foram tão úteis para o convívio justo e harmônico da sociedade, seja você cristão ou não.
Pe. Crispim Guimarães
Pároco da Catedral de Dourados
