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STF volta a julgar descriminalização do porte de drogas para consumo: o que está em jogo

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BBC.COM

Após quase oito anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode voltar a julgar nesta quarta-feira (24/5) uma ação que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo. O julgamento não analisa a questão da venda das drogas, que continuará ilegal qualquer que seja o resultado.

Defensores da liberação do porte de pequenas quantidades para uso pessoal dizem que a criminalização fere princípios constitucionais como o direito à privacidade de cada indivíduo.

Também argumentam que a criminalização não mostrou resultados na redução do consumo e do tráfico, sendo mais adequado adotar políticas públicas de prevenção, como no caso do uso de cigarros.

Por outro lado, críticos da descriminalização acreditam que a medida teria efeito de aumentar ainda mais consumo e tráfico e argumentam que o direito individual não deve ser colocado acima da saúde pública.

Há questionamentos também sobre se o STF deveria decidir sobre a questão, ou se apenas o Congresso poderia liberar o porte para consumo, aprovando uma mudança na lei atual.

Quando o julgamento foi iniciado, em 2015, três ministros decidiram a favor da descriminalização, mas apenas Gilmar Mendes votou pela liberação para qualquer tipo de droga, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram para restringir a medida à maconha, por considerarem uma droga mais leve.

O caso foi interrompido por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, que morreu em 2017. Embora a ação esteja liberada para voltar à pauta desde o final de 2018, a forte oposição do ex-presidente Jair Bolsonaro acabou contribuindo para que o STF adiasse a retomada do julgamento, segundo juristas que acompanham o tema.

STF volta a julgar descriminalização do porte de drogas para consumo: o que está em jogo
CARLOS MOURA/SCO/STF Legenda da foto, Julgamento no STF vai ser retomado após quase oito anos

Outro ponto em discussão é se a Corte vai fixar uma quantidade para diferenciar objetivamente o que é o porte para consumo ou para tráfico, parâmetros que podem ser adotados pelo STF mesmo que a criminalização seja mantida.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal e integrantes da Procuradoria-Geral da República, dizem que a definição de parâmetros pode evitar que consumidores sejam enquadrados como traficantes indevidamente, reduzindo a grande quantidade de pessoas presas no país.

Já os que se opõem à descriminalização questionam o impacto do julgamento na redução da população carcerária, tendo em vista que a lei atual já não prevê pena de prisão para usuário.

Em quatro pontos, entenda o que pode ser decidido e possíveis impactos do julgamento:

1) O que será julgado

O STF está analisando um Recurso Extraordinário com repercussão geral (cuja decisão valerá para todos os casos semelhantes) que questiona se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional.

Esse artigo prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.

Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas nesse caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e/ou “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu pego com 3 gramas de maconha na prisão. Pela posse da droga, ele foi condenado a prestar serviços comunitários. A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas a si mesmo), garantidos na Constituição Federal.

“Por ser praticamente inerente à natureza humana, não nos parece o mais sensato buscar a solução ou o gerenciamento de danos do consumo de drogas através do direito penal, por meio de proibição e repressão. Experiências proibitivas trágicas já aconteceram no passado, como o caso da Lei Seca norte-americana e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais mazelas e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo de substâncias entorpecentes”, argumentou o defensor Rafael Muneratt, ao sustentar no início do julgamento.

Já o então chefe do Ministério Público em São Paulo, o procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou contra a descriminalização.

“O tráfico no Brasil apresenta índices crescentes. O Estado não se mostra capaz nem sequer do controle efetivo da circulação das chamadas drogas lícitas. Não há estruturada rede de atenção à saúde ou programa efetivo de reinserção social”, sustentou.

Para a Federação Amor-Exigente (AE), que atua como apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, o direito individual do usuário não justifica a descriminalização. A organização foi aceita pelo STF para atuar no julgamento como amicus curiae (colaborador da Justiça que detém algum interesse social no caso mas não está vinculado diretamente ao resultado).

“A saúde pública vem em primeiro lugar. A pessoa que está usando o crack, chega em determinado momento que ela não tem discernimento para decidir o que é bom e ruim. A pessoa que usa o crack pode matar por causa de R$ 10. É nesse sentido que esse direito (individual do usuário) não pode se contrapor à saúde pública e à tutela de toda a coletividade”, disse à BBC News Brasil o advogado Cid Vieira, que representa a Federação Amor Exigente.

Para o advogado Pierpaolo Bottini, que representa a Viva Rio, amicus curiae favorável à descriminalização, a eventual descriminalização do porte não vai aumentar o consumo. Ele ressalta que o julgamento não poderá legalizar o uso de drogas, permitindo a comercialização.

“Não estamos falando em autorizar o uso, mas simplesmente não criminalizar. Essa ação é até modesta nesse sentido, muito mais modesta do que tem acontecido nos outros países, que estão autorizando o uso de certas drogas”, argumentou à reportagem, citando o aumento da legalização em estados americanos.

STF volta a julgar descriminalização do porte de drogas para consumo: o que está em jogo
GETTY IMAGES Legenda da foto, Artigo 28 da Lei de Drogas prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal

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